v. 4 n. 12 (2024): Decolonialidade antropofágica: Quanto mais devemos progredir?
Editorial: Progresso infinito é um regresso?
Sandro Adrián Baraldi
Tempos escuros se aproximam. Depois do banquete dionisíaco que durou duzentos anos, de crescimento e devastação ininterrupta, o tempo da ressaca chegou. O planeta também se ressente e, tal qual nosso mundo “civilizado” em queda, ataca furiosamente quem o magoou. Ciclones, tempestades, seca, inundações; calores e frios extremos marcam essa passagem para uma nova era desesperadora. A guerra contra a natureza, que começou com Francis Bacon, está prestes a terminar e, como prevíamos, a natureza venceu. A arrogância humana vai pagar por isso do pior modo.
O quanto somos culpados por tudo isso?
No século XIII, o filósofo Agostinho de Hipona entendia que a natureza era boa e estável, pois foi criação divina e, por isso, ela devia ser preservada do jeito que estava. Contrapondo essa ideia de estabilidade, no século XVI, Francis Bacon sustenta que a ciência, a racionalidade, deveria fundar as ações humanas e não depender de explicações cuja origem fosse de caráter religioso. O pensamento de Bacon surge de uma nova postura política medieval que estava enfrentando a Igreja – a Reforma e a Contrarreforma. A racionalidade se sobrepõe ao caráter místico da Igreja Católica. A partir desse momento, o ser humano, possuidor de racionalidade, pode alterar a natureza a seu bel-prazer sem temer a ira divina. Descartes, no século XVII, baseado na racionalidade, renega por completo a ideia de corporalidade. A subjetividade cartesiana invisibiliza a natureza material, reservando-lhe um lugar puramente utilitário. Esse movimento racionalista coincide, não por acaso, com a queda de Constantinopla, as grandes navegações e os empreendimentos mercantilistas da modernidade. Esse gatilho inicial da Modernidade foi formando a ideia de progresso, de avançar, de crescer, de desenvolver, de enriquecer, de tomar e de subjugar, de maneira que a ideia de progresso espiritual, originário da idade média, podia também ser progresso material, pela via racional, científica.
No XVIII, Auguste Comte defende que o progresso depende da ordem e, no século XIX, Charles Darwin afirma a evolução humana como manifestação do progresso natural. No século XX, estabelecida a ordem que leva ao progresso do ser mais evoluído de todos, o ser humano, Filippo Marinetti propõe que o progresso deve ser acelerado; a velocidade é fundamental para o progresso humano. É a era do Manifesto Futurista de 1909.
O progresso, força cultural e antinatural que dá vida ao monstro “frankensteiniano” dos capitalismos mercantilista, industrial e financeiro, criatura furiosa e faminta por lucro a qualquer preço, ainda anima a nossa imaginação levando as tendências suicidas ao ponto do não-retorno climático.
Até hoje, mesmo em plena crise ambiental, ainda vemos como a ideia de progresso é forte. Séries de TV como Star Trek, com seu mote: “Audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve”, e a animação Toy Story, na qual o personagem Buzz Lightyear repete: “ao infinito e além”, assim como muitas outras; dentre elas Jurassic Park, que “critica” a manipulação genética, e Exterminador do Futuro, que “critica” a inteligência artificial, garantem que essas possibilidades se tornarão reais. Ah! E não esqueçamos de que em todas as histórias em que aparecem alienígenas, eles são seres evoluídos, naturalmente ou tecnicamente, mas sempre superiores aos humanos.
Fica a pergunta, por enquanto sem resposta conclusiva: onde queremos chegar com esse progresso todo?