Sobre a Revista
Expediente
A Revista Cactácea - Educação, Filosofia é uma publicação eletrônica online do IFSP Câmpus Registro de periodicidade quadrimestral (3 edições por ano).
Equipe Editorial
Profa. Dra. Ofélia Maria Marcondes
Prof. Dr. Sandro Adrián Baraldi
Ano de Lançamento
2021
Objetivo
Contribuir para a divulgação e a visibilidade de autores preocupados com críticas sociais, com a difusão do pensamento e da análise dos fenômenos ligados à formação humana e promover amplo debate crítico entre diferentes áreas do conhecimento humanístico tanto no que se refere à filosofia e à educação como cultura, literatura, ciências, em busca de fomentar um diálogo interdisciplinar.
Justificativa
Em um mundo em que prevalece o pensamento acrítico, a obediência sem questionamento, a banalidade do mal, a "imunização da manada", vemos necessidade de apontar rupturas epistêmicas para rumos mais humanos não especistas. Cremos que esta astronave, o planeta Terra, conta com uma tripulação - humana e não humana - que precisa urgentemente reencontrar seu equilíbrio. A única maneira de reverter esse processo insano e destrutivo é por meio de narrativas que valorizem e revalorizem aspectos sociais não destrutivos, hoje em franca decadência.
URL
https://rgt.ifsp.edu.br/
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Edição Atual
A cultura ocidental começa com o patriarcado há cerca de 7000 anos atrás, sistema político que se contrapõe ao matrístico, em que a mulher, em vez do homem, liderava as comunidades nascentes – veja mais detalhes no meu artigo da Cactácea número 04, As origens do patriarcado segundo Humberto Maturana < https://rgt.ifsp.edu.br/ojs/index.php/revistacactacea/article/view/42/41 >.
O ódio do sistema patriarcal, ou dos homens, que veio substituir o matrístico é explícito desde o seu surgimento. Eva – ou Hawwa – é a causadora de todas as desgraças do homem Adão, desde o início: desobediente, curiosa, rebelde, insubmissa, que ouve e se deixa afetar pelos outros – no caso bíblico, o outro é a cobra, que a instiga a desobedecer criando espaço epistemológico para uma outra vida – é uma metáfora para tudo o que era temido pelo novo poder que se estava estabelecendo.
O patriarcado foi, e é, tão amplo que tomou o planeta inteiro. Vemos sua consolidação a partir dos registros da Mesopotâmia sobre seus mitos, aproximadamente 3000 anos atrás, com a figura de Lilitu ou Lilith, um demônio feminino sedutor e perigoso aos homens. Na Babilônia, é Ardat-Lili; na mitologia Grega, temos as Lâmias, as Empusas, Hécate; na Hindu, as Rakshasis e as Yakshinis; na Judáico-Cristã, Naamah, Succubus; na Árabe, Al-Uzza, Qarina; na Eslava, as Willis; na Africana, Oyá ou Iansã; na Japonesa, Yuki-onna; na Yanomami, a mulher cobra; na Kayapó, temos uma mulher que desobedecendo as regras libera a noite no mundo. Em todas as mitologias do planeta vemos traços de um ódio ancestral pela mulher desobediente, problematizadora e que traz sempre alterações indesejadas ao seu povo. Essa digressão foi só para situar o alcance, a solidez e a tradicionalidade do sistema patriarcal que, a meu ver, se confunde com a matriz de poder que impera no planeta ainda hoje e que se resume ao fundamento e á sustentação do autoritarismo: a obediência.
E a decolonialidade o que tem a ver com isso? – talvez você esteja se perguntando. Oras, colonialidade é um termo que significa etimologicamente ocupar, assentar, cultivar. Como é feito o cultivo de plantas da cultura européia? Em primeiro lugar, a terra é roçada, ou seja, tudo o que se encontrava no solo é destruído até se chegar à terra nua. Daí a terra é sulcada, criam-se marcas profundas no solo e então a semente escolhida é cuidada para que germine e se desenvolva do jeito que queríamos que se desenvolvesse. Daí, outras sementes são recolhidas desta plantação para que a reprodução do mesmo plantio ocorra novamente. E a partir daí, o joio é separado do trigo e só o trigo obediente prevalece reproduzindo a continuação da mesma cultura estática e milenar.
Portanto, a colonialidade não é um sistema que só foi adotado nas colônias: é a definição do próprio sistema patriarcal em que há autoridades masculinas, os patriarcas, que mandam os obedientes a reproduzirem seus desejos. Perceba que sem obediência esse sistema desmorona. E o que os patriarcas mais temem? A mulher, pois só ela tem o poder de gerar seres humanos. Tudo desaparece se não houver filhos. E se houver filhos, eles que sejam obedientes.
Por isso que nós, filósofos e filósofas decoloniais, insistimos na desobediência – veja mais nos meus artigos na Cactácea número 5, Resenha do ensaio de Walter Mignolo: “Desobediência epistêmica. Retórica da modernidade, lógica da colonialidade e gramática da descolonialidade”, < https://rgt.ifsp.edu.br/ojs/index.php/revistacactacea/article/view/47/52 > e número 7, Decolonialidade antropofágica: uma possível gramática para a ruptura com a colonialidade, < https://rgt.ifsp.edu.br/ojs/index.php/revistacactacea/article/view/68/75 >.
O temor dos patriarcas já foi inscrito no mito de Eva como uma profecia para o seu fim: pela desobediência abrem-se as portas para uma nova realidade. Aprendamos como desobedecer de maneira construtiva.
Sandro Adrián Baraldi